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Revista Ártemis PDF

pages23 Pages
release year2007
file size0.44 MB
languagePortuguese

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Revista Ártemis  Vol. 10, Jun 2009, p. 96‐118  Ecofeminismo: Múltiplas Versões Loreley GARCIA¹ [Traduções e Excertos extraídos de discussões sobre o Ecofeminismo] Para Reuther, o Ecofeminismo representa a união do movimento ecológico radical, chamado de ecologia profunda, com o feminismo. A Ecologia aparece no campo da biologia dos sistemas ambientais para analisar o modo como as comunidades naturais mantêm a teia da vida. No conjunto das rupturas produzidas no interior de um ecossistema, que possam extinguir plantas ou animais, a intervenção humana surge como a principal produtora de disruptura. A ecologia ganhou um significado de estudo socioeconômico e biológico, ao examinar o uso da natureza pelos humanos, o que causa a poluição do solo, ar e água, destruindo os ecossistemas e animais, ameaçando as bases da vida, das quais dependemos. A Ecologia Profunda vai um passo além, ela se ocupa do exame dos padrões éticos, simbólicos e psicológicos das relações destrutivas dos humanos com a natureza, e de como substituí-las por uma cultura afirmativa da vida. O Feminismo também é um movimento complexo que só pode ser definido em sociedades democráticas liberais, que visa efetivar a integração total da mulher nos direitos políticos e nas oportunidades econômicas. O Feminismo também é uma cultura, uma consciência que mapeia as conexões simbólicas, psicológicas e éticas da dominação da mulher e do monopólio masculino dos recursos e controle do poder. Este 3ª nível de analise feminista conecta-se à Ecologia Profunda, podendo ser encarado como uma expressão primária da Ecologia Profunda. Existe uma conexão histórica entre a dominação da natureza e a mulher. Eliminar essa dupla dominação exige um time de visionários que imaginem o mundo em que se quer construir, um novo sistema socioeconômico e uma nova cultura que sustentaria as relações de mutualidade ao invés do poder competitivo. Precisa-se de poetas, artistas, filósofos, organizadores revolucionários que encarnem relações mais vitais no novo sistema de vida. Sherry Ortner, foi a primeira feminista a analisar a suposta proximidade das mulheres com a natureza. Sua obra destaca que as mulheres tradicionalmente estão associadas com "algo" que todas as culturas subvalorizam, com menos status, a natureza no sentido mais amplo. Esta relação deixa as mulheres sempre, em todas as culturas, simbolicamente associadas à natureza, em oposição aos homens, identificados com a cultura. ¹ Profa. Curso de Gênero e Sexualidadas/PPGS, Pós-doutorado em Women´s Studies, Universidade da Califórnia, Berkeley Sherry Ortner, refere-se a fatores biológicos, sociais e psicológicos como elementos que contribuem na identificação das mulheres com a natureza. A autora tenta resgatar as mulheres de sua posição de inferioridade, advinda desta identificação com a natureza, que lhes confere uma posição intermediaria entre a natureza e a cultura, atuando como mediadoras entre ambas. Esta obra foi muito criticada, pois considera como universalmente homogêneos os termos "natureza", "cultura", "homem", "mulher" e desconsiderar a diversidade na diferenciação que cada cultura produz entre a cultura e a natureza. Algumas ecofeministas, acusadas como Sherry Ortner de "essencialistas", argumentam que a capacidade de procriar faz com que as mulheres tenham uma compreensão distinta e maior proximidade da natureza. Outras, como Carolyn Merchant ou Yniesta King, defendem que os binômios natureza-cultura e mulher-homem são falsos, foram construídos pelo sistema patriarcal para manter uma hierarquia entre os sexos/gêneros e natureza/cultura. Carolyn Merchant afirma que a identificação da natureza com o sexo feminino é dada, em parte, pela definição de natureza como a mãe-terra , capaz de prover a todos. Outro fator seria a definição da natureza como selvagem, incontrolável , ameaçadora, responsável pelos desastres "naturais"; costumeiramente associada ao caráter "emocional" das mulheres em oposição a "racionalidade" masculina. Esta relação justificaria o controle e domínio masculino tanto sobre a natureza, quanto sobre as mulheres. Para Imma Llort i Juncadella, os primeiros elos entre feminismo e ecologia, que originaram o ecofeminismo, formaram-se nas utopias feministas da década de 70, que descrevem uma sociedade sem opressão, ecológica, descentralizada, desierarquizada, desmilitarizada, democrática e onde prevalece o uso de tecnologias respeitosas ao ambiente. Françoise d'Eaubonne, em 1974, adotou pela primeira vez o termo ecofeminismo com o objetivo de representar o potencial das mulheres para encabeçarem uma revolução ecológica que estabeleça novas relações de gênero, entre os seres humanos e com a natureza. Reuther também traça esboços da conexão da dominação natureza/mulher. Segunda a autora, as raízes são pré-hebraicas.Os antropólogos sugerem que a identificação dos binômios mulher/natureza e homem/cultura é arcaica e amplamente difundida. Trata-se de um padrão cultural que expressa o monopólio da definição de cultura pelos homens. A palavra natureza é definida como uma realidade subjacente e separada do homem, ao invés de aparecer como o nexo no qual a humanidade está inserida. Os humanos não podem sobreviver sem do resto da natureza, sem o contexto que sustenta a vida, enquanto a comunidade de plantas e animais existiu durante bilhões de anos antes do surgimento dos humanos. O conceito do humano fora da natureza é uma inversão cultural da realidade natural. Mas como isto se fixou em nossa consciência? Um elemento chave seria a identificação da mulher com as formas não humanas de vida, isto tem origem no mundo primitivo, no qual o papel reprodutivo prendia a mulher na produção primária e na manutenção da vida cotidiana. Mulheres fazem a maioria dos trabalhos com as crianças, produzem e preparam a comida, produzem roupas, cestos, artefatos, limpam e eliminam o lixo. Ainda que haja variações consideráveis nestes padrões através das culturas, geralmente os homens ocupam-se de tarefas que, não por acaso, têm maior prestigio social e demandam maior energia ocasional, um exemplo é a caça de animais de grande porte, a guerra e a limpeza dos campos, mas que permitem a eles mais tempo de lazer. Esta seria a base social primária para a monopolização masculina da cultura, onde o homem reforça os privilégios do lazer, a superioridade das suas atividades e a inferioridade daquelas associadas a mulher. A autora sugere a hipótese de que as mulheres não teriam dado conta destas alegações de superioridade por estarem ocupadas na faina diária e porque a importância de seu trabalho na produção e reprodução da comunidade era evidente. Ao longo da historia, a consciência feminina teria sido submersa pelo crescimento da cultura masculina que envolveu toda a sociedade, socializando os sexos a partir do ponto de vista masculino. É na perspectiva masculina de cultura, o trabalho material da mulher é definido como inferior. O mundo material é visto como algo separado do homem, mas simbolicamente vinculado a mulher. A Terra, local onde crescem plantas e nasce a vida animal, liga-se simbolicamente ao corpo feminino de onde surge a vida. Com o desenvolvimento da agricultura do arado e da escravidão, a conexão mulher/natureza adquire outra faceta. Embora sejam dois suportes dos quais os homens dependem, passam a ser vistas como algo que ele domina com poder coercitivo. Os animais selvagens caçados retém sua autonomia e liberdade, os animais domésticos tornam-se uma extensão da família humana. Mas, os animais na canga puxando arado sob um chicote agora fazem parte das novas formas de relações humanas. Estão escravizados e coagidos pelo trabalho. A agricultura de arado promove a substituição dos gêneros na produção agrária, aqui a mulher monopoliza a coleta e a horta, e o homem a produção de comida, arando com animais . Com a transformação do homem em agricultor, surge um novo sentido de terra como algo que se possui e é repassado pela linhagem masculina, extinguindo as noções de terra comunal cuja descendência é matrilinear no mundo dos caçadores, coletores e horticultores. A conquista e a escravidão de outras tribos criaram uma nova categoria de humanos no interior da comunidade familiar, são os escravos, posse que trabalha sob coação. A escravidão criou também novas formas de matar homens e escravizar mulheres e crianças para serviços braçais e sexuais. O trabalho feminino se identifica com o trabalho escravo. A mulher da família foi definida como escrava de alto padrão, acima da categoria dos escravos conquistados. Na lei patriarcal, as mulheres, escravos, animais e terras estão simbólica e socialmente ligados entre si. Todos são propriedades e instrumentos de trabalho possuídos e controlados pelo homem. Um olhar sobre as mitologias hebraicas, gregas e o cristianismo primitivo revela a simbolização da mulher e da natureza como domínios a serem conquistados, dominados e repudiados. No mito da criação na Babilônia, 3ª milênio a.C., Marduk o guerreiro campeão dos deuses da cidade, é visto com criador do cosmos porque conquistou a Deusa-mãe Tiamat, retratada como um animal-fêmea mostruoso. Marduk matou-a e usou metade de seu corpo para produzir o firmamento, e a outra metade para fazer a terra. A mãe elemental tornou-se matéria para o cosmos que, só pode ser usada depois de morta, após ter sido destruída a sua selvageria, a vida autônoma, uma materialidade de coisas possuiveis e controláveis pelo arquiteto masculino do cosmos. A Reforma Calvinista e a Revolução Cientifica na Inglaterra, nos séculos 16 e 17, representam a chave do ponto de mutação do conceito ocidental de Natureza. Nestes dois movimentos, o simbolismo medieval que vê a natureza entre sagrada e demoníaca, foi reformado. O Calvinismo retirou o sentido sacramental da natureza, que passa a ser vista como se fosse completamente depravada, não havendo nela nenhum resíduo da presença divina que pudesse sustentar um conhecimento natural ou a relação com Deus. A salvação do conhecimento de Deus está nas alturas, muito além da natureza, está na Palavra revelada nas Escrituras que os reformistas pregam. O Calvinismo foi notório por sua hostilidade iconoclasta com as artes visuais. Os vitrais coloridos e estátuas foram quebrados, as igrejas despidas de toda imagem visível. Apenas a palavra sem corpo, que vem do pregador e chega aos ouvidos do fiel e a musica, podem ser toleradas na presença divina. Nada que se possa ver, tocar, provar ou cheirar era confiável, nem portador da divindade. Até mesmo o pão e o vinho deixam de ser a corporificação de Cristo, para tornar-se lembrança intelectual da mensagem de um ato de salvação passado. Se por um lado, o Calvinismo desmontou o mundo sacramental do cristianismo medieval, por outro manteve e reforçou o universo demoníaco. Palavras decaídas, a natureza física e grupos humanos fora do controle da igreja Calvinista cairiam nas garras do diabo. Tudo que fosse rotulado de pagão, não importa se católicos, indianos ou africanos, eram o campo de poderes do demônio. Mesmo entre os Calvinistas, as mulheres eram as portas de entrada do demônio, se fossem completamente obedientes aos pais e maridos, pastores e magistrados, poderiam ser redimidas como boas esposas. Mas qualquer independência feminina ocultaria a heresia e a bruxaria. Entre os Protestantes, os calvinistas foram os primeiros caçadores de bruxas. A Revolução Cientifica inicialmente rumou em outra direção, exorcizando os poderes demoníacos da natureza, ícone da razão divina manifesta na lei natural. Nos séculos 17 e 18, o animismo da ciência natural que unificava o material e o espiritual, perde espaço para o dualismo estreito do intelecto transcendente e da matéria morta. A Natureza fora secularizada. No dualismo cartesiano e na física newtoniana, a matéria torna-se movimento, matéria morta que obedece as leis matemáticas conhecidas por uma elite de cientistas masculinos. Sem vida ou alma própria , a natureza podia ser tranquilamente expropriada por esta elite e infinitamente reconstruída em nome da riqueza e do poder. Na sociedade ocidental, o uso da ciência e da tecnologia para controlar a natureza, marchou pari passu com o colonialismo. Entre os séculos 16 e 20, os europeus se apropriaram das terras da América, Ásia e África, reduzindo suas populações à servidão. A riqueza acumulada nesta vasta expropriação de terra e trabalho, impulsionou a revolução tecnológica, transformando recursos materiais em novas formas de energia e trabalho mecânico, controle de doenças e incrementando a velocidade das comunicações e transportes. As elites ocidentais viram os incrementos com muito otimismo, julgando que a tecnologia gradualmente resolveria todos os problemas da escassez material e retardaria os limites da mortalidade humana. O sonho cristão da imortalidade, salvo dos limites da finitude, estava traduzido em termos científicos e tecnológicos. Todavia, um século depois, este sonho de progresso infinito tornou-se um pesadelo. As conquistas na área médica, diminuindo a mortalidade infantil e dobrando a expectativa de vida criaram uma explosão populacional em busca de alimentos. A cada ano, 10 milhões de crianças morrem de desnutrição, a lacuna entre ricos e pobres, a elite rica do setor industrializado e as massas empobrecidas, sobretudo nos continentes colonizados da América Latina, Ásia e África, amplia-se cada vez mais. A revolução cientifica e industrial ocidental foi feita com bases na injustiça, na tomada de terras, produtos agrícolas e minérios, apropriados com a exploração do trabalho indígena. Esta riqueza abasteceu o Ocidente e as elites locais enquanto o povo destas terras permaneceu pobre. O sistema de fluxo global baseado na exploração de terra e trabalho de muitos para beneficio de poucos, com alto consumo de energia e desperdício não pode expandir-se para incluir as parcelas pobres da população sem destruir a base da vida no planeta. Estamos literalmente destruindo o ar, água, solo sobre do qual a vida humana e planetária depende. Para preservar este injusto monopólio sobre os recursos naturais do crescente protesto dos pobres, o mundo torna-se mais e mais militarizado. As nações têm usado, cada vez mais, a parte do leão de seus orçamentos em armas para defender-se das outras e controlar seus próprios pobres. Armas tornaram-se uma das maiores riquezas e exportações para os paises pobres. Estas nações crescem aumentando suas dividas com as nações ricas enquanto compram armas para reprimir as massas empobrecidas. Com o fim da corrida armamentícia entre EUA e URSS, ocorreu a consolidação unipolar da hegemonia militar dos EUA, e não um compromisso com a desmilitarização. A explosão populacional, a exaustão dos recursos naturais, poluição e violência são os quatro cavaleiros do novo apocalipse global. A questão crítica de justiça e sobrevivência é como reverter este curso desastroso e refazer as relações entre nós e com a Terra. É preciso instituir ética e cultura ecofeminista para termos um planeta justo e sustentável. Há que reformatar nosso conceito dualista de realidade dividida entre matéria sem alma e consciência transcendente masculina. Precisamos desvelar nossa realidade atual como habitantes do planeta num momento de crise. O mundo da natureza, plantas e animais existe há bilhões de anos antes de entrarmos em cena. A natureza não precisa de nós para comandá-la, pois se comanda muito bem sem nós. Somos os parasitas da cadeia alimentar da vida, consumindo mais e mais e colocando muito pouco em retorno para restabelecer e manter o sistema vital que nos sustenta. Precisamos reconhecer nossa dependência da grande matriz produtora de vida no planeta para aprendermos a reintegrar nosso sistema humano de produção, consumo e dejetos em padrões ecológicos a partir dos quais a natureza sustenta a vida. Podemos começar revendo a relação da mente ou inteligência para a natureza. Mente ou consciência não é algo que se origina do mundo transcendente fora da natureza, mas é o lugar onde a própria natureza torna-se consciente. Precisamos pensar a consciência humana não separada, nem como espécie superior do resto da natureza, mas como um talento que nos permite aprender a harmonizar nossas necessidades com o sistema natural que nos rodeia, e do qual dependemos. A reintegração da consciência humana com a natureza deve reformatar o conceito de Deus. Ao invés de um modelo de Deus proposto pela consciência masculina alienada, exterior e regrando sobre a natureza; o Deus da espiritualidade ecofeminista é a fonte imanente da vida que sustenta a totalidade da comunidade planetária. Deus não é masculino ou antropomórfico, é a fonte da qual a variedade de plantas e animais brotam a cada geração, a matriz que suporta a interdependência vital entre eles. Na cultura e na ética ecofeminista, a interdependência mútua substitui as hierarquias de dominação como o modelo de relacionamento homem/mulher, grupos humanos e com outros seres. Todos afirmativas racistas, sexistas, classistas e antropocêntricas de superioridade dos homens brancos sobre negros e mulheres, gerentes sobre trabalhadores, humanos sobre animais e plantas devem ser culturalmente descartadas. Na vida real, o chamado pólo superior é, de fato, o lado mais dependente da relação. Porem, não basta reconhecer com humildade a dependência. O modelo de interdependência entre gêneros, raças e classes tem que ser socialmente reconstruído, criando mais equidade na divisão do trabalho e dos frutos do trabalho, ao invés de subjugar e empobrecer um dos lados da relação, fazendo com que seja a base de poder e riqueza do outro lado. Nas relações homem/mulher não basta permitir-lhes acesso à cultura e ao espaço público, mas converter os homens em iguais, partilhando a criação, nutrição e manutenção da casa. Uma revolução do papel feminino no mundo do trabalho masculino, sem a revolução correspondente nos papéis masculinos mantém o padrão básico da exploração de mulher. Mulheres têm simplesmente um sobre trabalho no novo modelo, pois se espera que realize ambos os trabalhos: o masculino diário com baixo salário, além do trabalho feminino não pago, que sustenta a vida familiar. Há que se converter a divisão sexual do trabalho, assim como a consciência sobre a Terra. Desta maneira, refazemos nossa visão simbólica de salvação, ao invés de uma salvação buscada humildemente na alma desencarnada ou no corpo imortalizado, num vôo para o céu, ou para o fim da historia, a salvação aqui é vista como uma contínua conversão para o centro, para as bases concretas que sustentam a nossa relação com a natureza e com o outro. A cada dia, a cada geração é preciso refazer nossa relação com o outro, encontrando um verdadeiro e novo nexo de relacionamento para manter a vida sem exploração e destruição. Finalmente, a cultura ecofeminista deve reformular nosso senso básico do Ser em relação ao ciclo da vida. A manutenção de uma comunidade orgânica de vida vegetal e animal é um ciclo continuo que cresce e se desintegra. O ocidental vê a mortalidade como desintegração, não como parte do ciclo da vida, com aceitação de que nós somos parte deste processo. Fingimos que podemos nos imortalizar, mas o que estamos imortalizando é o nosso lixo e poluição na Terra. Para aprender a reciclar o lixo como fertilizante de nova vida, matéria de um novo artefato, precisamos aceitar-nos como participantes de um mesmo processo cíclico. Humanos também são organismos finitos, centros de experiência no ciclo da vida que devem desintegrar-se no nexo da vida e erguer-se de novo sob nova forma. Esta conversão do dualismo alienado e hierárquico para a sustentabilidade da vida e mutualidade mudará radicalmente os padrões da cultura patriarcal. Conceitos básicos como Deus, corpo/alma e salvação, serão reconceituados de forma a nos levar para mais perto dos valores éticos do amor, justiça e cuidado com a Terra. Estes valores até são proclamados nas religiões patriarcais, embora estejam em contradição com o simbolismo patriarcal e os modelos de relacionamentos. A mudança dos símbolos precisa vir acoplada a uma nova pratica social que encarne a conversão em novas formas sociais e tecnológicas de organizar a vida na comunidade humana e com a natureza. Isto exige um novo senso de urgência sobre a insustantabilidade do modelo atual de vida e solidariedade compassiva com os desfavorecidos pelo sistema. Existem diferentes tendências teóricas, política e ideológicas no interior do ecofeminismo. Juncadella lista alguns mais expressivas, a saber: O ecofeminismo radical, nascido do feminismo romântico, destaca as relações históricas, biológicas e sociais entre a natureza e as mulheres. Considera que a exploração e a opressão de ambas é uma conseqüência do domínio da ordem patriarcal. As origens da opressão estariam no inicio da sociedade patriarcal, na pré-história. Antes deste domínio, teria havido uma sociedade majoritariamente matriarcal onde o feminino detinha maior prestigio. A mulher e a natureza eram festejadas, predominavam as divindades femininas - deusas da fertilidade. O patriarcado pressupõe a imposição de valores masculinos e a substituição das deusas por deuses. A proposta do ecofeminismo radical é o resgate dos valores matriarcais e a implantação da cultura feminina, valorizando o conhecimento das mulheres que tradicionalmente foi desprestigiado, suas experiências e valores. Tornar o papel insubstituível das mulheres na preservação da espécie em instrumento de empoderamento e em ativismo ecológico. O ecofeminismo liberal, baseado no feminismo da igualdade e na teoria conservacionista da natureza, considera a deterioração ambiental como resultado da implantação de um modelo de desenvolvimento economicista que ignora os impactos negativos sobre o ambiente, não utiliza adequadamente os recursos naturais e carece de legislação eficaz. A exploração das mulheres e´um resultado da situação marginal em que se encontram: menores oportunidades de trabalho e acesso a educação. Nesta teoria, a relação entre mulheres e natureza não tem base biológica. Não crêem que homens e mulheres tenham atitudes distintas, biologicamente determinadas, de respeito da natureza. As mulheres, inseridas na ordem patriarcal, têm atitudes e estratégias deletérias ao meio ambiente tal qual os homens. Os defensores desta corrente propõem reformas ambientais com uma melhor aplicação da ciência moderna, da legislação que assegure o cumprimento das condições necessárias para o desenvolvimento sustentável. São fundamentalmente conservacionistas, defendendo que as mulheres no poder, através da igualdade de oportunidades, participem de todas as decisões sobre a gestão dos recursos naturais, a preservação do meio ambiente saudável e a defesa da qualidade de vida. A experiência feminina, atuando em posição marginal no que tange a tomada de decisões sobre o poder dominante, as colocou em posição privilegiada para propor e elaborar propostas alternativas viáveis ao ambiente. O ecofeminismo socialista considera os problemas ambientais intrínsecos ao patriarcado e o capitalismo, justifica a exploração da natureza mediante a técnica para facilitar o progresso, entendido principalmente como crescimento econômico. O capitalismo liberou os homens da natureza proporcionando meios para explorá-la e controla-la em beneficio próprio, usou a exploração das mulheres para invisibilizar sua participação histórica na economia. O capitalismo está acabando com outros meios de produção como a agricultura de subsistência, o artesanato, onde homens e mulheres participavam em condições de maior igualdade; adjudicando o trabalho assalariado aos homens e a reprodução gratuita, desvalorizada e invisível das mulheres. Ecofeministas socialistas propõem a construção de uma sociedade socialista onde se construa uma nova relação entre os gêneros e com a natureza, sem a dominação capitalista e garanta uma boa qualidade de vida a todos. O debate ecofeminista, ao aportar nos paises do Terceiro Mundo, precisou examinar as relações entre as mulheres e o meio ambiente para além do mero nível ideológico. Ecofeminismo terceiro-mundista: as mulheres rurais nestes paises mantém uma relação muito estreita com a natureza, são usuárias e gestoras dos recursos naturais, produtoras de alimentos e bens destinados ao consumo/mercado. Esta relação varia entre as mulheres dependendo da função, classe social, raça, etnia a que pertencem; são fatores que determinam como as afetarão os efeitos da degradação ambiental e sua capacidade de resposta. Para as ecofeministas destes paises, como Vandana Shiva na Índia, a exploração e a destruição da natureza são intrínsecas ao modelo de desenvolvimento econômico industrial dominante, uma imposição colonial por parte do "Primeiro Mundo". O desenvolvimento baseado exclusivamente no crescimento tecnológico e econômico mudou a relação do homem com a natureza (na cosmologia indiana como a mãe -terra), coloca-o acima dela, outorgou-lhe capacidade para controlá-la e dominá-la, pois a natureza passou a ser vista como algo inerte e passivo. Vinculados a tendências místicas do ecofeminismo primevo, mas afastado da demonização masculina, surge um fenômeno novo: a teoria feminista que veio do Sul. Cabe mencionar a física nuclear e filósofa da Índia, Vandana Shiva. Combinando as historiadoras feministas da ciência como Evelyn Fox Keller ou Carolyn Merchant, com sua própria tradição filosófico-religiosa, V. Shiva realiza uma seria crítica do desenvolvimento técnico ocidental que colonizou o mundo inteiro. Afirma que "o que recebe o nome de desenvolvimento é um processo mal, fonte de violência contra a mulher e a natureza em todo mundo (...) (o mal desenvolvimento) tem raízes nos postulados patriarcais de homogeneidade, dominação e centralização que constituem o fundamento dos modelos de pensamento e estratégias de desenvolvimento dominantes" Ainda, existem movimentos de resistência ao "mal desenvolvimento", um deles e´o das mulheres Chipko. Baseando-se nos princípios de não violência criativa de Gandhi, as mulheres rurais Chipko (nome do princípio feminino da Natureza da cosmologia na Índia), conseguiram deter a desflorestação total do Himalaia vigiando a zona e amarrando-se as árvores quando iam cortá-las. Enfrentando seus maridos, dispostos a vender os bosques comunais, essas mulheres Chipko adquiriram consciência de grupo e posteriormente, continuaram lutando contra a violência doméstica e pela participação política. Na América Latina, particularmente no Chile, Brasil, México, Uruguai, Bolívia, Argentina, Peru e Venezuela, no rastro da Teologia da Libertação está se elaborando um pensamento teológico ecofeminista. A teóloga brasileira Yvone Gevara sustenta que hoje, a justiça social implica ecojustiça. Este ecofeminismo latino americano se caracteriza por seu interesse pelas mulheres pobres, a defesa dos indígenas, vítimas da destruição da Natureza. Ela conclama o abandono da imagem patriarcal de Deus como dominador e o dualismo da antropologia cristã tradicional (corpo/espírito). A transcendência não se baseia no desprezo da matéria, mas se define como imersão no mistério da vida, pertence a um todo que nos transcende. Será concebida como "experiência da beleza, da grandiosidade da natureza, de suas relações e sua interdependência" . Nesta teologia latino americana, o ecofeminismo é uma postura política crítica da dominação, luta antisexista, antirracista, antielitista e anti- antropocêntrica. "La ciencia que no respeta las necesidades de la naturaleza y el modelo de desarrollo que no respeta las necesidades de las personas amenaza la supervivencia" ( Vandana Shiva ). A visão de Vandana Shiva coincide com Carolyn Merchant sobre a experiência comum de opressão das mulheres e da natureza, define uma conexão entre ambas, mas Shiva estabelece a conexão no nível ideológico e material. As mulheres rurais do "Terceiro Mundo" obtêm da natureza 60 a 80% dos alimentos que necessitam. A destruição da natureza representa grave ameaça para suas vidas e de suas famílias. Em estudo do movimento Chipko em Uttar Pradesh, norte da Índia, Vandana Shiva, expressa que as mulheres do "Terceiro Mundo" têm uma dependência especial da natureza e um conhecimento específico sobre ela, adquirido através da acumulação de experiências e transmitido de geração a geração, mas sistematicamente marginalizado pela ciência moderna e pelo modelo de desenvolvimento dominante. Este binômio exclui as mulheres como experts e o saber popular como parte da Ciência. "las mujeres del movimiento Chipko están más próximas a la naturaleza por su papel como recolectoras de pasto para el ganado, combustible y agua; mientras que los hombres a menudo emigran a la planície en búsqueda de trabajo u obtienen pequeños beneficios del "desarrollo"(Gail Omvedt). Tal fato, ajuda compreender porque as mulheres, mais que os homens, participam ativamente das reivindicações e movimentos ecológicos que lutam para liberar a natureza da exploração e as mulheres da subalternidade. Vandana Shiva foi criticada por inúmeras investigadoras como Gaita Menon, Mira Burra y Bina Agarwal, todas da Índia, elas apresentam distintas interpretações da relação entre mulher e natureza. Para as criticas, Vandana Shiva incorre na mesma falácia das ecofeministas da Europa e Estados Unidos quando não distingue entre as mulheres as classes, castas, raças, etc. Chamada de essencialista, ao considerar que as mulheres do "Terceiro Mundo" teriam uma relação especial com a natureza, diferentemente das mulheres dos países desenvolvidos. Bina Agarwal critica seu trabalho porque não analisa com detalhe como se produziram as mudanças conceituais sobre a natureza e mulheres na Índia, nem reconhece a coexistência de interpretações especificas de cada cultura e religião que convivem na Índia. Vandana Shiva ignoraria que cada cultura ou religião tenha seus próprios conteúdos, sentidos diferentes para as mesmas palavras. Outra crítica a Vandana Shiva seria a atribuição da destruição da natureza e a opressão das mulheres ao colonialismo e imposição da ciência e do modelo econômico ocidental, ignorando a existência de desigualdades econômicas e sociais que perpetuam a destruição/opressão muito anteriores ao colonialismo. Bina Agarwal propõe como alternativa o feminismo ecologista, um conceito novo, em fase de construção e conceitualização surgido das críticas a autoras do "Terceiro Mundo". Sob este título unificador, estão distintas teorias e movimentos ecofeministas que não compartilham do essencialismo das clássicas, nem se nutrem em fontes religiosas ou espiritualistas do Terceiro Mundo. O ambientalismo feminista de Bina Agarwal é exemplo da postura construtivista. Economista originaria da Índia, critica a teoria de Vandana Shiva que atribui a proteção da natureza das indianas ao principio feminino da cosmologia. Para Agarwal, o laço que as mulheres sentem com a Natureza tem origem nas responsabilidades de gênero na economia familiar. Pensam holisticamente em termos de interação e prioridade comunitária pela realidade material. Não são as características afetivas ou cognitivas pro pias do sexo, mas a interação com o meio ambiente o que favorece sua consciência ecológica. A interação com o meio ambiente e a correspondente sensibilidade ecológica,

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